terça-feira, 22 de setembro de 2009

gafe

Então eu senti muito.
e o disse.
Pensaram que eu lamentava a perda, que conhecia o corpo ou era educada.
Mas não era nada disso. Nunca tive os bons modos para me compadecer da pena alheia, nunca soube a hora certa de dizer as mesmas palavras. Nunca soube quais eram as palavras. Quando acertei, foram palavras outras, saídas de um fundo bem fundo que nada tinha a ver com relações sociais. Era um parto da expressão de todo o corpo. Uma tentativa bocado despretensiosa de tranformar sangue acelerado em palavra, carne em palavra, dor e desamor em palavra. Nada que pareça cabível em algum consolo, era mais um parecer individual proveniente de todo um ser inquieto. Há pessoas que sorriem quando a gente se dá a luz numa tentativa de abraço. Acho que são esses ainda os meus amigos.
Mas voltando a vaca fria, o importante é que eu enganara, sem planejar, a um bocado de gente dolorida, que entendeu minha frase como pesar.
Esqueceram-se de que quando você vai "Obrigada" para algum lugar não está agradecendo, e sim sendo coagida
Que "Bom Dia" pode ser tanto desejo quanto constatação, então nem mesmo é necessário outra pessoa a se cumprimentar
Esqueceram-se que sentimos muito o tempo todo, e que posso proferir a expressão do dialeto fúnebre até mesmo quando pisar num espinho por acidente.
Aí senti muito, foi de repente, nada tinha a ver com o morto nem com ninguém daquela gente. Sentia muito e só dentro de mim, mas foi tanto e tão cheio de ar, que vomitei o resíduo vazio daquele gás incolor em combustão:
-Sinto muito.

Eu, que tão pouco falava, alardeei sutilmente os que estavam ao meu redor. Recebi muitos toques complacentes e sorrisos tristes, esboços de um acolhimento tímido dos que precisavam de abraços extrovertidos.

Percebi que não se pode sentir indiscriminadamente em qualquer lugar.

3 comentários:

  1. eu tinha escrito um negócio trilouco sobre o texto, tentando explicar essa revirada que deu em mim, e eu até cheguei a te mandar por depoimento. depois eu apaguei.

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  2. Olá Bianca, visitei meu blog agora e vi um comentario seu, o que acabou me trazendo pra cá.
    O que você me escreveu me fez pensar, mas se foi intensional ou não, um pouco mimeticamente e um pouco virtualmente real, agora aquilo que escreveu me fez sentido quando li seu texto.
    A sensação do "nossa, já escreveram isso". Representar a impossibilidade, como fazê-lo? Eu não sei, as vezes tento algo. Seu texto me tocou, me identifiquei justamente com aquilo que não sei como se represeta, mas que nele - no seu texto - está.
    Obrigado.

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  3. O contrato social não está em si. A convenção da metonímia. Acolhimentos tímidos de quem precisa de abraços extrovertidos.

    Que mundo interior maravilhoso Bianca!

    Às vezes o dizer não significa nada do que o escutar entende. São como distintos. Às vezes o dizer não significa nada...

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