domingo, 7 de agosto de 2011

Repetição de Ritmo de Frase

Acordou como sempre no mesmo horário. Sete e quinze da manhã. Trocou-se apressado como em todos os dias e tomou o café da manhã olhando para o relógio sem se preocupar. Levantou mecanicamente se dirigindo em passos curtos até o seu quarto branco. Vasculhou sem voracidade o armário procurando pela maleta de trabalho. Encontrou. Escovou os dentes pela força do hábito e cuspiu a espuma na pia após bochechar sete vezes. Pôs o terno e partiu.
As ruas de seu bairro estavam vazias. Ele parecia maior do que realmente era. Andava satisfeito. Infeliz e satisfeito. Faltava um quarteirão para ele chegar no trabalho. Chegou.

Subiu as escadas do escritório grande e pisou no andar de cima ofegante. Eram trinta degraus. Dirigiu-se até sua salinha de escritório e sentou-se à mesa. Esperou o telefone tocar. Não tocou. Olhou para o lado e viu mais trinta pessoas trabalhando na mesma posição que ele. Os conjuntos uniformes de roupas vestiam as mesmas pessoas. Uma veia ao lado de seu olho esquerdo saltou. Era verde. O telefone não tocou. As vozes das pessoas se confundiam na cabeça dele. As vozes das pessoas não existiam sozinhas. Era um emaranhado de fios de tons sem cor. Textos que sabiam de cor. Ele não fechou os olhos, não sorriu e nem ouviu o telefone tocar. Estava preparando um cuspe para escarrar no lixo embaixo de sua mesa. Seu chefe se aproximou. Ele engoliu. O homem branco e magro com os lábios acinzentados rosnou que ele precisava ser mais ágil. Ele grunhiu que faria o possível, senhor. Era horário de almoço. Ele comeu um prato feito no bar mais próximo e voltou. Passou trinta minutos fora. Quando sentou o telefone tocou. Ele resolveu um problema de alguém. Desligou e voltou a encarar as outras pessoas inexpressivas na mesma função que a dele. O telefone tornou a tocar. Ele não resolveu outro problema. Tentaram ofendê-lo, chamaram-no de incompetente. Ele não se sentiu ofendido. Nem incompetente. Olhava para o relógio esperando se arrastar a sessenta por hora o tempo que restara. Esta uma hora passou devagar. Mas como ele não fez questão de vivê-la eu não faço questão de contá-la.

Saiu e se dirigiu a praça da Sé para pegar o metrô. Sobe em cima do degrau mais alto da escadaria e grita seu nome muito alto. Muito alto. Mas eu não pude ouvi-lo e não sei qual é.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Havia algum tempo que ela tinha ido. Pegou um trem numa estação sem nome no meio de um lugar quente e cheio e foi.
Tinha pouca gente no vagão que ocupava. A maioria das pessoas ficara na estação, acenando levemente enquanto a janelinha que enquadrava seu rosto se distanciava mais e mais.
Tudo nela parecia se distanciar daquela estação. Ela não percebeu naquele momento que precisava partir, mas aos poucos foi entendendo que não tinha em mãos a posse da escolha. Era uma necessidade estranha de abandono, de tempos em tempos ela precisava ser abandonada. Para isso, abandonava.
No seu vagão havia pouca gente e um monte de coisas condensadas. Falo condensadas porque nada era nítido além do volume de objetos e auras. Havia uns poucos amigos, uns rostos não muito conhecidos e alguns mais conhecidos que o seu próprio.
O maquinista era um corpo doce que às vezes a preenchia. Ao contrário do que dizia Manuel, suas almas se entendiam e conversavam livremente.
Durante algum tempo a liberdade do trem foi o suficiente, ela não se incomodava com nada e experimentava coisas loucas e ternas numa amplitude jamais vista. Se impressionava constantemente com o tamanho do que a tomava e se exercitava o suficiente caminhando de um lado a outro do trem.
Aí um dia ela notou que o trem esvaziava. Ela se sentiu infeliz e percebeu que suas coisas condensadas estavam cada vez mais difusas. Ela sentiu falta da forma. Ela precisava buscar a forma das coisas boas. Ela encontrara uma e perdera um bocado de outras.
Tomou uma decisão e a comunicou ao maquinista: precisava voltar a estação sem nome na cidade no meio do lugar quente.
Quando chegou lá estava fazendo muito frio. Ela estranhou e partiu marcando a neve com seus pés descalços a procura de alguém. O Maquinista solenemente a esperava.
Ela entrou em um bar quente que vendia fotos e encontrou algumas pessoas. Convidou as pessoas a partirem com ela desta vez. "sem vocês minha viagem não tem como seguir adiante, será um eterno retorno a este lugar vazio".
As pessoas concordaram e seguiram juntas até o trem. Entraram conversando alegremente desejando em silêncio encontrar uma estação comum a todos.
Ela foi até o vagão do maquinista e ele ainda estava lá. Ele sorriu para ela com seus olhos infinitos e a beijou. Os dois foram até o último vagão e checaram se os livros continuavam lá. Continuavam. Talvez até tivessem se multiplicado. Entenderam que os livros sempre estariam lá. Ela sorriu aliviada.

Ela se deitou no chão do vagão de olhos fechados e desejou secretamente que todos se mantivessem ali até o ponto final.