segunda-feira, 2 de maio de 2011

Havia algum tempo que ela tinha ido. Pegou um trem numa estação sem nome no meio de um lugar quente e cheio e foi.
Tinha pouca gente no vagão que ocupava. A maioria das pessoas ficara na estação, acenando levemente enquanto a janelinha que enquadrava seu rosto se distanciava mais e mais.
Tudo nela parecia se distanciar daquela estação. Ela não percebeu naquele momento que precisava partir, mas aos poucos foi entendendo que não tinha em mãos a posse da escolha. Era uma necessidade estranha de abandono, de tempos em tempos ela precisava ser abandonada. Para isso, abandonava.
No seu vagão havia pouca gente e um monte de coisas condensadas. Falo condensadas porque nada era nítido além do volume de objetos e auras. Havia uns poucos amigos, uns rostos não muito conhecidos e alguns mais conhecidos que o seu próprio.
O maquinista era um corpo doce que às vezes a preenchia. Ao contrário do que dizia Manuel, suas almas se entendiam e conversavam livremente.
Durante algum tempo a liberdade do trem foi o suficiente, ela não se incomodava com nada e experimentava coisas loucas e ternas numa amplitude jamais vista. Se impressionava constantemente com o tamanho do que a tomava e se exercitava o suficiente caminhando de um lado a outro do trem.
Aí um dia ela notou que o trem esvaziava. Ela se sentiu infeliz e percebeu que suas coisas condensadas estavam cada vez mais difusas. Ela sentiu falta da forma. Ela precisava buscar a forma das coisas boas. Ela encontrara uma e perdera um bocado de outras.
Tomou uma decisão e a comunicou ao maquinista: precisava voltar a estação sem nome na cidade no meio do lugar quente.
Quando chegou lá estava fazendo muito frio. Ela estranhou e partiu marcando a neve com seus pés descalços a procura de alguém. O Maquinista solenemente a esperava.
Ela entrou em um bar quente que vendia fotos e encontrou algumas pessoas. Convidou as pessoas a partirem com ela desta vez. "sem vocês minha viagem não tem como seguir adiante, será um eterno retorno a este lugar vazio".
As pessoas concordaram e seguiram juntas até o trem. Entraram conversando alegremente desejando em silêncio encontrar uma estação comum a todos.
Ela foi até o vagão do maquinista e ele ainda estava lá. Ele sorriu para ela com seus olhos infinitos e a beijou. Os dois foram até o último vagão e checaram se os livros continuavam lá. Continuavam. Talvez até tivessem se multiplicado. Entenderam que os livros sempre estariam lá. Ela sorriu aliviada.

Ela se deitou no chão do vagão de olhos fechados e desejou secretamente que todos se mantivessem ali até o ponto final.

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